O caso da EC 33/2001, uma contribuição para a incerteza jurídica e fiscal por José Roberto Rodrigues Afonso e Celso de Barros Correia Neto publicado por Consultor Jurídico (8/2020).
“O Supremo Tribunal Federal retomou em 7 de agosto último o julgamento do Recurso Extraordinário n. 603.624, processo-paradigma do tema 325 da sistemática da repercussão geral. A questão constitucional em exame é se a Emenda Constitucional n. 33, de 11 de dezembro de 2001, ao modificar a redação do art. 149, teria revogado as contribuições incidentes sobre a folha de salários, especialmente as destinadas ao custeio do Sebrae[1], Apex[2] e ABDI[3].
Este artigo procura explorar o contexto e o processo legislativo de que resultou a EC 33, assim como consequências institucionais que podem advir do julgamento do STF.
A interpretação postulada pelo recorrente é que a alteração introduziu rol taxativo de materialidades na alínea “a” do inciso III do 2º do artigo 149 da Constituição. Consequentemente, a partir da EC n. 33/2001, as contribuições sociais gerais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais e econômicas só poderiam incidir sobre faturamento, receita bruta, valor da operação e valor aduaneiro. Não seria dado ao legislador colher outras materialidades para as quais falte previsão constitucional específica.
O fundamento dessa interpretação está, sobretudo, numa leitura literal do inciso III do 2º do artigo 149, que incluiu uma lista de bases econômicas antes inexistente:
“2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: […] III – poderão ter alíquotas: a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro; b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada.
A redação (original) do caput do artigo 149 limita-se a dispor: “Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas”. Não havia rol algum de bases econômicas ou materialidades.
No artigo 149, a competência é definida pela finalidade: as contribuições devem ser “instrumento de sua atuação nas respectivas áreas”. Eis a sua nota típica. À diferença dos impostos, para os quais a partilha de competências se fez pela discriminação de materialidades na Constituição (artigos 153, 155 e 156), a definição dos fatos geradores das contribuições abrigadas no artigo 149 caberia livremente ao legislador, observados os parâmetros constitucionais aplicáveis.
De acordo com a tese em debate, depois da EC n.º 33, as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas somente poderiam incidir sobre as materialidades expressa e taxativamente previstas no inciso III do § 2º do artigo 149, onde não consta “folha de salários”.
Até o momento da publicação deste artigo, o julgamento conta com dois votos em sentidos opostos. A relatora, ministra Rosa Weber, deu provimento ao recurso extraordinário do contribuinte, por entender que a “adoção da folha de salários como base de cálculo das contribuições destinadas ao Sebrae, à Apex e à ABDI não foi recepcionada pela Emenda Constitucional n. 33/2002”. O presidente, ministro Dias Toffoli, abriu divergência. Negou provimento ao recurso para assentar que tais contribuições são constitucionais, inclusive após o advento da EC nº 33/2001.
Para além da discussão a respeito da literalidade da disposição, este artigo pretende chamar atenção para dois aspectos do debate: sobre as causas, o contexto e o processo legislativo que resultou na EC 33, e sobre as consequências do reconhecimento da “taxatividade” na norma do § 2º do artigo 149 da Constituição.
Sobre as causas: o contexto e o processo legislativo
A EC 33 resultou da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional n. 277/2000, de autoria do Poder Executivo. A iniciativa se deu em contexto de abertura do mercado de combustíveis no Brasil – antes, já vigorou uma tributação parafiscal, com alíneas incidindo sobre preços e servindo para subsidiar consumos, sem passar pelo orçamento público.
A PEC estabeleceu parâmetros para a cobrança da Cide-Combustíveis e assegurou tratamento isonômico entre os produtos nacionais e importados. A Exposição de Motivos (E.M. n. 509 MF) encaminhada ao Congresso por meio da Mensagem nº 1.093 não deixa dúvida a esse respeito:
“2. Com a proximidade da total liberalização do mercado nacional relativo ao petróleo e seus derivados e ao gás natural, tomam-se necessárias as alterações propostas, como única forma de se evitar distorções de natureza tributária entre o produto interno e o importado, em detrimento daquele, que fatalmente ocorrerão se mantido o ordenamento jurídico atual.
- Assim, adotada a presente proposta, poder-se-á construir se implementar, sem nenhum obstáculo de natureza constitucional, uma forma de tributação dos referidos produtos que garantam a plena neutralidade tributária.” [sic]…”
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