Nem sempre foi assim! por Frederico Mazzucchelli publicado por Revista Política Social e Desenvolvimento (10/2014).
“O tema que irei abordar emerge de uma observação de Tony Judt, um grande historiador inglês recentemente falecido. Em um de seus últimos livros (“Ill Fares the Land”, “O Mal Ronda a Terra”, na tradução em língua portuguesa) – escrito em condições extremamente difíceis, em face da precariedade de seu estado de saúde – Judt revela seu desalento em relação ao mundo em que vivemos. Ao externar sua decepção quanto à busca obsessiva pela riqueza material, que mobiliza as novas gerações, Judt se pergunta: “Por onde devemos começar? Talvez seja preciso começar lembrando a nós mesmos e aos nossos filhos de que nem sempre foi assim”.
O esforço que hoje farei será o de tentar esclarecer que, de fato, nem sempre foi tudo assim…
Em minha juventude, por exemplo, as coisas se colocavam de outra forma. Além da preocupação em relação a uma boa formação intelectual, havia uma atenção permanente quanto às condições gerais da sociedade. O sucesso profissional de cada um de nós não era entendido com indiferença em relação à situação dos outros. O que nos foi transmitido supunha que o aprimoramento de nossas habilidades particulares deveria se traduzir não apenas em conquistas individuais, mas, também, em benefícios sociais. Foi essa educação que foi transmitida a mim, ao professor Claudio Salm, aqui presente, e a todos nós da nossa geração. Havia, nos jovens de meu tempo, a consciência de que não éramos seres isolados e em competição frenética no mundo, mas sim elos de uma cadeia social. Já hoje, o que se percebe, é uma exacerbação do individualismo: via de regra, as pessoas pensam apenas em seu próprio êxito, cultivam hedonisticamente o corpo, almejam o status de celebridade e se comprazem com uma visão acrítica do mundo. Bombardeadas e entorpecidas pelas mesmices e vulgaridades dos meios de comunicação, submetidas aos percalços do mercado de trabalho, e angustiadas pelas dificuldades de acesso a uma condição digna de vida, as pessoas são arrastadas pela correnteza da concorrência. O sucesso material – sem dúvida, uma conquista – passa a ser a medida de todas as coisas. Isto exprime a mesquinhez dos tempos atuais. O espírito público se esvaiu, e foi essa triste constatação que absorveu as reflexões de Judt, já no ocaso de sua vida…”