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Há arcabouço fiscal que resista? (Serra)

PEC kamikaze: Há arcabouço fiscal que resista? por José Serra publicado por Consultor Jurídico (7/2022).

“A polêmica provocada pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 1/2022 no Senado me fez pensar sobre o crônico menosprezo no país por aspectos institucionais, em variadas instâncias, não somente políticas. Situo o leitor brevemente no contexto da discussão.

Em 30/6/2022, o Senado votou em dois turnos a PEC nº 1/2022, a qual determinou um conjunto de gastos para 2022 somando mais de R$ 41,2 bilhões. Há diferentes itens no pacote: transferências de renda para famílias pobres inscritas no Cadastro Único da assistência social; subsídios à gratuidade de idosos no transporte público; benefícios para caminhoneiros e taxistas; e compensação aos estados pela concessão de crédito presumido de ICMS à cadeia do etanol. Não pretendo discutir o mérito de cada item. Apenas destaco que foram necessários somente dois dias para o Senado emendar o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias com o intuito de incrementar gastos sem que os atores — Executivo, sobretudo — incorressem em riscos de responsabilização por violar normas de direito financeiro e eleitoral.

Todo o arcabouço fiscal do país — composto por dispositivos constitucionais, leis complementares, entre outros — foi expressamente afastado para que um dispêndio conjuntural pudesse acontecer. Aprovou-se uma PEC (a de nº 01/2022) para criar exceções à PEC anteriormente aprovada (a que originou a EC nº 95/2016 ou teto de gastos). É como se as restrições institucionais devessem subsistir até que começassem a restringir de fato; a partir de então, excetua-se. Não foi a primeira vez, não será a última.

Sintomaticamente, poder-se-ia dizer, o Brasil tem sido pródigo na criação de normas, incluídas normas fiscais. Especialistas apontam que, desde sua promulgação em 1988, o texto principal da Constituição saltou de 67 para 167 dispositivos no capítulo das finanças públicas. Há ainda o ADCT, o qual em breve receberá mais dispositivos caso a PEC nº 1/2022 seja aprovada, e dispositivos apartados no corpo das emendas. Discute-se muito o afã brasileiro de constitucionalizar: a Carta de 1988 trata de numerosos assuntos. Como parlamentar constituinte, pude observar o fenômeno. Para alguns, o esforço de tudo inscrever na CF/88 foi e é reflexo da busca de proteção por parte dos vários segmentos sociais: na falta de consensos suficientes decorrente de um conflito distributivo acentuado e não raro predatório, num quadro de brutais desigualdades, todos almejam um lugar constitucional. Mas se tudo se constitucionaliza, toda mudança requer alterações constitucionais. Lá se vão 128 emendas desde 1988. Outras duas já estão a caminho…”

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