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Como o BNDES é atingido pelo ‘Efeito Halo’? (Rodrigues & Ishihara)

Como o BNDES é atingido pelo ‘Efeito Halo’? por Matheus Vinícius Aguiar Rodrigues e Júlia Ishihara publicado por JOTA (4/2019).

Percepção negativa decorreu de um estereótipo formado por determinadas operações fracassadas e não republicanas

Na psicologia social, Edward Thorndike cunhou como “Efeito Halo” a predisposição do ser humano em expandir determinada avaliação a partir de uma característica particular: só porque alguém é atraente não significa, por exemplo, que seja inteligente. No mundo empresarial não é diferente: só porque determinado produto é o mais caro da categoria não significa, por exemplo, que possua as melhores especificações técnicas. Esse efeito, à luz dos estudos científicos do professor Philip Rosenzweig, estende-se à avaliação do sucesso ou fracasso de empresas.

Desde 2015, o alvo de avaliações afetadas pelo Efeito Halo é o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), a partir de um discurso que passou a questionar o desempenho e a própria necessidade de existência do banco com fulcro, sobretudo, na falta de transparência operacional e em quatro operações de renda variável, entre 2007 e 2010, do BNDES com a JBS S.A., uma das eleitas pelo governo federal como grande “campeã nacional”.

O valor envolvido nas operações entre o BNDES e a JBS somam cerca de R$ 7,66 bilhões de reais. A maioria dessas operações se mostraram, posteriormente, maculadas pela corrupção, conforme delação de Joesley Batista, ex-presidente do Conselho Administrativo da empresa, que expôs o “capitalismo de laços” no banco estatal.

Essa mácula desafiou a manutenção e suscitou questionamentos sobre a política cunhada como “campeões nacionais”, a qual visava a internacionalização de empresas brasileiras que tivessem vantagens comparativas em determinados setores econômicos que as tornassem competitivas em nível internacional. Nesse período, as críticas e as denúncias de corrupção no governo federal ressoavam e passaram a se confundir com as críticas à política dos “campeões nacionais” e à atuação institucional do BNDES, ainda que o banco possuísse ótimos indicadores econômicos quantitativos (e.g. lucro líquido de R$ 8,59 bilhões de reais em 2014, bem como uma manutenção desses índices positivos durante a presente década).

Não é a pretensão deste artigo defender uma espécie de atuação ideal de um banco de desenvolvimento, tampouco negar a gravidade do capitalismo de laços e das evidências de rent-seeking na atuação institucional recente do BNDES. O propósito deste artigo é demonstrar que essa percepção negativa do BNDES, sobretudo nos últimos 5 anos, decorreu de um estereótipo formado por determinadas operações fracassadas e não republicanas, especialmente no âmbito da política dos grandes “campeões nacionais”.

Nesse sentido, ressalta-se, por exemplo, que, entre os anos de 2004 e 2018, a JBS é apenas a 21ª empresa que mais recebeu aportes financeiros do BNDES, somando-se financiamentos diretos e operações em renda variável. A Embraer, por sua vez, a segunda empresa que mais recebeu recursos, obteve mais de seis vezes o valor despendido à JBS. Não obstante, foram os escândalos envolvendo esta que refletiram na desaprovação da atuação do BNDES, o que impactou não só a última campanha eleitoral, como a política do atual governo em relação ao banco de desenvolvimento.

Nesse contexto, já no primeiro mês de 2019, o Secretário Especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, divulgou à imprensa que o BNDES teria que devolver integralmente à União R$ 126 bilhões em 2019, além de declarar o fim do “funcionamento disfuncional do banco” empreendido pelos governos anteriores. Nesse mesmo sentido, o atual presidente do BNDES, Joaquim Levy, afirmou que um dos objetivos da sua administração é fazer da instituição estatal um “banco que parece banco”, diminuindo o protagonismo e a presença do banco de desenvolvimento nos canais de investimento tradicional.

Tais declarações se alinham com uma visão conhecida como Law and Finance, que advoga uma menor intervenção estatal mediante bancos públicos; não obstante, essas declarações parecem ignorar os sucessivos índices qualitativos e quantitativos positivos do BNDES (desempenho real da empresa).

Além dos sucessivos (i) lucros líquidos bilionários já citados acima, o BNDES tem uma notável importância na economia e no desenvolvimento social brasileiro. Em 2015 e 2016, para cada R$ 1 milhão aplicado pelo BNDES em atividades com alta influência sobre o (ii) emprego, foram estimados 20,2 postos de trabalho associados à sua implementação. Em 2015, os trabalhadores associados aos investimentos do BNDES representavam 5,2% de toda a força de trabalho formal no país; em 2016 esse percentual chega a cerca de 3%.

Em relação à atuação do banco voltada ao (iii) fomento à inovação tecnológica, verifica-se que o BNDES realizou 598 operações de financiamento direto (crédito), saindo de 10 (dez) operações, em 2004, para 106 (cento e seis operações) em 2014. Aproximadamente 57% dessas operações do banco se encontram em programas setoriais voltados à inovação, como o BNDES Profarma, o BNDES Proengenharia e o BNDES Prosoft.

Destaca-se, ainda, que um estudo indicou que o apoio do banco está diretamente associado com um aumento de gastos pelas empresas em P&D na ordem de 32% a 40%. A atuação do BNDES nesse setor demonstra a elevada importância da instituição no financiamento de projetos de inovação, constantemente negligenciados pela iniciativa privada devido ao elevado risco, proporcionando financiamentos a taxas acessíveis. Ademais, (iv) a atuação do BNDES no mercado de microcrédito, diante de pesquisa elaborada pela FGV em 2015, evidenciam importantes indicadores, como o incremento em 37% da renda de empreendedores de municípios de baixo IDH-M na região Nordeste.

Não obstante, o BNDES não é somente importante ao desenvolvimento econômico do Brasil. Enquanto Banco Nacional de Desenvolvimento Social, o BNDES possui notável relevância e atuação em setores como a saúde nacional, apoiando a (v) prevenção de doenças tropicais negligenciadas pelas grandes indústrias farmacêuticas mundiais. Entre 2015 e 2016, conforme o próprio Relatório de Efetividade de 2017 do BNDES, o banco destinou R$ 97 milhões à Fundação Butantan para combate à dengue e R$ 19 milhões à Fiocruz para plano emergencial de combate ao vírus da zika.

Ainda nesse setor, o BNDES realiza continuamente aportes buscando a inovação incremental e o desenvolvimento de novos fármacos e genéricos. Dentre as iniciativas, destacam-se: o apoio ao plano de investimento em inovação e desenvolvimento de medicamentos da empresa farmacêutica nacional EMS no triênio 2017-2019; o desenvolvimento de medicamentos complexos (portfólio, até então, de nove oncológicos, dois genéricos de alta complexidade); esforço para introdução de 13 genéricos inéditos no mercado brasileiro e, ainda, aportes de cerca de R$ 30 milhões para a equipe de P&D em busca de 17 novos registros na Anvisa.

Além disso, no que tange ao (vi) desenvolvimento sustentável, o BNDES atua em projetos que contribuam para a conservação de biomas no Brasil, como a gestão do Fundo Amazônia. A partir desse fundo, realizam-se aportes não reembolsáveis a projetos com ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal.

O BNDES não é qualquer Banco. O BNDES possui um compromisso social e econômico com a população brasileira. Ao longo desta última década, à luz dos indicativos de desempenho, o banco parece ter conseguido suprir parte desses anseios sociais e econômicos sem abandonar ótimos indicadores de eficiência e efetividade. Contudo, há ainda notáveis aprimoramentos a serem implementados na atuação do BNDES, sobretudo no que tange à necessidade de melhora dos níveis de transparência e de accountability da instituição.

Só porque o BNDES adotou uma questionável política de criação e de fomento das grandes “campeões nacionais” não significa, por exemplo, que o BNDES seja dispensável ao desenvolvimento socioeconômico e à política de investimentos públicos no Brasil. Só porque o BNDES esteve imerso em práticas lamentáveis do capitalismo de laços e de compadrio não significa, por exemplo, que o BNDES seja a causa da corrupção no Brasil.

Eventuais mudanças na política institucional do BNDES devem se basear em indicadores e estudos econométricos, e não na opinião pública e empresarial, notadamente conduzida e afetada pelo Efeito Halo.

Matheus Vinícius Aguiar Rodrigues – Graduando em Direito, pela Universidade de Brasília. Membro da Clínica Jurídica Eixos – FD/UnB. Estagiário do escritório Machado Gobbo Advogados.
Júlia Ishihara – graduanda em Direito, pela Universidade de Brasília. Estagiária no escritório Gustavo Tepedino Advogados. Integrante do Grupo de Estudos Constituição, Empresa e Mercado da UnB.

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