Assimetrias de informação na nova Lei de Licitação e o problema da seleção adversa por Marcos Nóbrega e Diego Franco de Araújo Jurubeba publicado por R. bras. de Dir. Público (4/2020).
“Vários países e organizações internacionais têm tentado aperfeiçoar suas normas e políticas regulatórias sobre licitação nas últimas décadas; no entanto, é necessário mais do que a simples análise das leis. Eficiência nos contratos significa explicar, prever e entender o comportamento dos atores envolvidos no processo. No caso brasileiro, caracterizado pelo legalismo, corre-se o risco de perpetuar velhas práticas se encararmos o novo marco legal pelas lentes de um “retrovisor jurisprudencial” ou mesmo da tradicional – e desgastada – doutrina para enfrentar o tema. No Brasil, como projeto da nova Lei de Licitação, perde-se uma grande oportunidade de trazer relevantes avanços em regras de revelação de informação e diminuição de assimetrias informacionais, muito embora dispositivos específicos tentem estabelecer – embora de forma tímida – mecanismos de signaling e rating, os quais, de fato, já são bem-vindos para aperfeiçoar os sistemas de compras no país.
A deflagração do processo de completa mudança do marco legal das contratações públicas no Brasil se deveu ao apontamento, pela Comissão Especial do Senado Federal, de que a Lei nº 8.666/1993 “cria insegurança para os administradores públicos” e “deixa margens excessivas para práticas desleais de quem vende para a administração”.1 A partir desse diagnóstico, a referida Comissão Especial apresentou a primeira redação de um projeto de lei que visava substituir integralmente as normas atualmente vigentes, o que colocou o Brasil no vasto rol de países e organizações supranacionais que recentemente alteraram ou estão em vias de mudar significativamente suas políticas regulatórias a respeito do tema.
Depois de tramitar por quatro comissões do Senado, esta casa aprovou um texto-base e o encaminhou à Câmara dos Deputados para revisão. Por sua vez, a casa revisora inflou significativamente o projeto de lei mediante a aprovação de uma extensa redação substitutiva (subemenda substitutiva global reformulada), que foi remetida à casa iniciadora em setembro de 2019. Conforme preconiza o art. 65, parágrafo único, da Constituição, compete agora ao Senado realizar o exame das alterações que a Câmara introduziu no texto originariamente submetido à revisão.3 Todavia, como será visto adiante, em razão de um requerimento de apensação durante a tramitação do processo legislativo na casa revisora, a apreciação pela casa iniciadora será pautada pela possibilidade regimental de eliminar dispositivos de quase toda a redação atual.
Considerando que a tramitação em ambas as casas legislativas ocorreu em regime de urgência, é plausível que logo tenhamos uma nova lei que incidirá sobre parcela expressiva do produto interno bruto. Desse modo, abre-se ao jus-economista mais uma frente de trabalho, uma vez que o advento de novos procedimentos licitatórios traz a certeza de que haverá a reconfiguração do feixe de incentivos que molda o funcionamento de um mercado relevante em nosso país.
No campo doutrinário, um olhar para trás aponta que o estudo jurídico da licitação raramente tentou explicar, prever e entender o comportamento dos atores envolvidos nos processos de contratação pública. No mais das vezes, o trabalho dos juristas restou confinado à mera análise descritiva das normas positivadas na lei,4 de modo que o desafio proposto no presente trabalho é avançar nesse largo campo inexplorado pela análise normativa do direito aplicável às licitações. Sendo assim, vamos analisar alguns dispositivos que tratam dos critérios de habilitação e a possibilidade de usar mecanismos de signaling e screening para mitigar a assimetria de informações existentes entre a administração e os licitantes. Antes, porém, conceituaremos os principais argumentos para indicar que regras de revelação de informação são indispensáveis em qualquer processo de reforma de qualquer legislação sobre licitações no país…”