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Poupança das Famílias (Pereira et al.)

Acumulação de poupança das famílias na pandemia por Robson Rodrigues Pereira, Ariana Zerbinatti e Myriã Bast publicado por Destaque Depec – Bradesco (7/2020).

 

“A eclosão da pandemia de Covid-19 trouxe mudanças relevantes no cenário econômico desenhado no começo de 2020. Com aspectos de natureza sanitária, financeira e econômica, com abrangência global, a atual crise tem gerado mudanças significativas no comportamento dos agentes econômicos. Diante da incerteza em relação ao cenário, da redução da renda e da diminuição abrupta das opções de gastos com bens e serviços, estariam as famílias brasileiras alterando as suas decisões de poupança? Neste Destaque, abordaremos o tema da poupança, à luz das evidências de que o consumo efetivo foi inferior ao consumo possível diante dos fundamentos, de forma voluntária (pela incerteza com o cenário) ou involuntária (pela redução do número de opções de gastos, com as medidas de distanciamento social).

 

Para responder à questão colocada, buscamos duas categorias de evidências: (i) pesquisas qualitativas e (ii) métrica de quanto de consumo que poderia ter sido feito, não o foi, por exemplo, pela falta de opções de compras, com as medidas de distanciamento social implementadas. A nossa primeira evidência é oriunda da Sondagem do Consumidor da FGV, cuja edição de maio trouxe alguns dados interessantes. Cerca de 78% dos entrevistados afirmaram que seus gastos estavam alocados apenas ao essencial. Também elaboramos um indicador mensal de consumo das famílias, explicado, econometricamente, por dados de massa ampliada de renda (já com o auxílio emergencial), concessões de crédito, percepções do consumidor e comprometimento de renda. O resíduo do nosso modelo econométrico em relação à métrica construída mede, a cada momento do tempo, o que poderia ter sido consumido (consumo possível) e o que efetivamente ocorreu (consumo efetivo). Tal resíduo é muito maior do que o habitual nos dados de março e principalmente abril, corroborando a hipótese de que o consumo foi menor do que o sugerido pelos fundamentos.

 

A principal forma de realocação intertemporal de consumo ocorre através de produtos financeiros com algum tipo de rendimento. Os dados mais recentes mostram que houve um forte aumento no saldo de depósitos a prazo e caderneta de poupança, mesmo em um contexto de juro baixo, como o prevalecente atualmente. Contudo, parte dessa maior demanda do investidor constitui mera realocação de riqueza entre produtos distintos. Em maio, o estoque de aplicações das famílias alcançou o nível de R$ 3,2 trilhões, uma queda de R$ 6,5 bilhões (-0,2%) ante o encerramento do ano passado, mas mantendo-se como proporção do PIB, em torno de 45%. Esse recuo está concentrado em fundos e renda variável, instrumentos mais sujeitos a oscilações de preços por conta da volatilidade do mercado. Todas as demais categorias de aplicações apresentaram expansão no período e ganharam participação no PIB, de 22,5% em dezembro para 24,4% em maio.

 

Os dados apresentados, porém, não esgotam todas as opções de alocação de poupança, pois não incluem instrumentos sem qualquer rendimento, por exemplo. Faz sentido, então, pensar que as famílias estejam guardando recursos em opções sem qualquer rendimento em um momento de crise, como o atual? Há alguns sinais nessa direção, considerando-se a evolução do M1 e seus componentes. A análise, porém, fica mais completa se olharmos para conceitos mais amplos de meios de pagamento. O M2, por exemplo, apresentou um incremento de R$ 520,7 bilhões entre dezembro passado e junho deste ano, ganhando participação no PIB, de 42,7% para 50,3% no mesmo período.

 

Considerando-se todas as evidências disponíveis, é possível inferirmos que parte dos consumidores brasileiros esteja acumulando poupança, o que também tem se verificado em outras regiões do mundo. A questão que se coloca, agora, está relacionada a como e quando esse recurso não gasto será utilizado. Em princípio, com uma suposta demanda reprimida nos meses de distanciamento social, espera-se alguma retomada mais forte na reabertura, como visto em alguns dados de maio e junho. Assim, a volta da poupança para o consumo ocorreria de forma relativamente rápida.

 

A decisão de alocação de poupança em consumo, por parte dos agentes econômicos, depende de vários fatores, macro e microeconômicos. A materialização da maior intenção de consumo futuro dependerá da evolução do mercado de trabalho, variável crucial para os gastos das famílias. O destino futuro dessa acumulação de poupança corrente está em aberto, mas em algum momento do tempo deverá contribuir para alguma suavização do consumo no ciclo econômico…”

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