As medidas monetárias e creditícias de combate à crise do coronavírus no caso brasileiro publicado por IEDI (7/2020).
“As medidas de liquidez adotadas pelo governo brasileiro tiveram um papel relevante em evitar que o choque externo, verificado em março nos Estados Unidos, aliado ao aumento da preferência pela liquidez no mercado interno devido à crise do coronavírus resultassem em qualquer tipo de disfuncionalidade mais relevante no sistema financeiro nacional.
Uma avaliação das medidas até o presente momento mostra uma discrepância relevante entre os resultados previstos e efetivados. Nas medidas de liquidez, isso pode até ser interpretado como um sinal de que o sistema financeiro estava em uma posição confortável antes da crise. Assim, não precisou recorrer às linhas da autoridade monetária. Porém, essa discrepância se observa também nos resultados obtidos no mercado de crédito.
Até o momento, os bancos não retomaram suas operações de crédito na escala necessária para fazer frente ao desequilíbrio de caixa enfrentado pelas famílias e pelas empresas. O que se observa nos dados do mercado de crédito dos bancos até o final do mês de abril é que o segmento das pessoas jurídicas não vivenciou uma retração abrupta, porém o crédito às pessoas físicas encolheu significativamente
No caso dos empréstimos a pessoas jurídicas, o mês de março foi marcado por um aumento expressivo das concessões, o que pode ter refletido algum efeito das medidas de facilitação de renegociação de empréstimos e liberação de capital. Esses efeitos, porém, não devem ser superestimados, uma vez que tal comportamento não se manteve no mês seguinte.
Os dados de fluxo não permitem a segmentação por porte, mas os saldos de crédito a pessoas jurídicas ilustram que a expansão das operações se deu basicamente no segmento de grandes empresas. Outro reflexo disso é que o volume liberado pela linha de suporte a empregos destinada a empresas menores (Pese) foi muito baixo. Até 08/06/20, o volume contratado foi de apenas R$ 3,8 bilhões, ante uma previsão inicial de liberação de R$ 40 bilhões (pouco mais de 9%).
Cabe lembrar que, diferentemente das medidas adotadas em 2008, que lançaram mão principalmente das instituições financeiras públicas para reativar o crédito, a estratégia atual tem no mercado sua espinha dorsal. Em outros países, como Alemanha e China, os bancos públicos e de desenvolvimento estão no centro das respostas à atual crise, mas no Brasil a opção principal parece ser a de deixar o mercado alocar o crédito à sua maneira.
A própria estratégia de utilização de fundos garantidores públicos – FGO e FGI – para estimular o crédito é também uma aposta na alocação de recursos por esta via. O estoque de operações de capital disponível em maio era de cerca de R$ 360 bilhões, segundo dados do BCB. Estima-se que os aportes nos dois Fundos, da ordem de R$ 35,9 bilhões, permitirão a outorga de até R$ 102 bilhões em garantias, o que equivale a 27% do total de estoque de crédito dessa modalidade.
Essas iniciativas só deverão deslanchar ao longo do corrente mês de julho, um momento em que vários desequilíbrios importantes nos balanços das empresas e famílias já se materializaram. Porém, por contar com mecanismos de mitigação do risco de crédito, espera-se que tenham mais sucesso em estimular a concessão de empréstimos pelos bancos brasileiros.
Do contrário, os descasamentos nos balanços das empresas e famílias irão se acumular ainda mais, com um aumento de unidades insolventes que exigirá uma atuação ainda mais intensa do governo brasileiro em termos de reestruturação patrimonial. Esse processo, que ainda terá desdobramentos importantes nos próximos meses, será um condicionante importante da retomada da economia brasileira.
A seguir, mais detalhes sobre o tema desenvolvido pelos economistas Ernani Torres, Luiz Macahyba e Norberto Martins.