Dos pobres para os paupérrimos ou dos mais ricos para os mais pobres? O impacto sobre a desigualdade de diferentes formas de expansão das transferências de renda no Brasil por Laura Carvalho, Rodrigo Toneto e Theo Ribas publicado por Made/USP (2020).
“A presente Nota examinou o impacto dos atuais programas de transferência e impostos sobre renda e patrimônio para os diferentes estratos da distribuição de renda no Brasil e simulou o efeito sobre a desigualdade das propostas elaboradas pela equipe do governo e de outras propostas de renda mínima financiadas pelo aumento na tributação sobre as rendas mais altas do Brasil. Os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2017-2018 demonstram que, atualmente, as transferências monetárias do governo são as principais responsáveis pela redução das desigualdades via política fiscal. A tributação direta contribui para isso de maneira muito tímida, e há espaço para melhoras em seu poder redistributivo.
Considerando o limite imposto pelo teto de gastos, que deixa um espaço cada vez menor para as despesas “não obrigatórias” no Orçamento, as primeiras propostas da equipe do governo para financiar a expansão do Programa Bolsa Família se baseavam na revisão de benefícios sociais já existentes, como o Abono Salarial e o Seguro Defeso. Outras propostas apresentaram como contrapartida fiscal a desindexação do salário mínimo da taxa de inflação, o que implicaria numa queda real do valor do piso das aposentadorias e outras transferências, ou o congelamento do valor de todos os benefícios previdenciários por dois anos…”
Nossas simulações sugerem que remanejar recursos dos benefícios sociais já existentes, recebidos pelos estratos intermediários de renda da população, implica uma transferência de renda do meio para a base, mantendo essencialmente inalterada a renda dos mais ricos. Na Proposta 1, via substituição do abono salarial, seguro defeso e salário família, é possível ampliar em 30% o valor do benefício médio do PBF e ampliá-lo em 3 milhões de beneficiários. Neste caso, verificamos que a mudança no índice de Gini em relação ao cenário base é praticamente nula (0,3%). Já a Proposta 2, na qual o valor do salário mínimo e dos benefícios atrelados sofrem corrosão real por dois anos, é possível, além do aumento de 30% dos benefícios médios do PBF, alcançar novas 20 milhões de pessoas com o programa, sendo a redução do Gini, ainda assim, quase nula, (0.8%), uma vez que a renda dos mais ricos permanece inalterada. Somente na Proposta 3, em que se congelam os benefícios previdenciários, a renda dos mais ricos sofre alguma alteração, por conta da distribuição do RGPS e RPPS. Nesta, para além da elevação do benefício médio equivalente às anteriores, é possível incluir novas 56 milhões de pessoas a estes valores, implicando em uma redução de 2,3% do Gini.
Analisando propostas alternativas, a Nota sugere que há espaço fiscal para uma ampliação significativa de programas de transferência de renda, desde que a redistribuição ocorra dos estratos mais ricos para os mais pobres. O resultado de tais propostas alternativas deixa claro que, estabelecendo-se uma tributação mais progressiva, é possível criar programas de transferência mais robustos, beneficiando os 30% ou 50% mais pobres com valores substancialmente maiores que os atuais. A mais abrangente delas assegura uma transferência de R$ 125 para todos os brasileiros da metade mais pobre da população, o que reduziria em 8,9% o índice de Gini. Para financiar essa rede de proteção social, os dados indicam que há espaço para aumentar a arrecadação brasileira via Imposto de Renda de Pessoa Física, uma vez que se trata de um imposto progressivo e com espaço de ampliação da alíquota efetiva, especialmente entre o 1% mais rico da população…”