Auxílio emergencial e renda básica permanente: propostas em debate publicado por IEDI (7/2020).
“No início de abril, por meio da Lei 13.982/2020, o Congresso Nacional aprovou política concedendo auxílio emergencial no valor de R$ 600,00 por três meses como medida de combate aos efeitos econômicos adversos provocados pela pandemia da Covid-19 no Brasil. No final de junho, o programa foi renovado por mais dois meses, em meio à intensificação do debate sobre a criação de um programa permanente de renda básica.
Esta nota de caráter preliminar identifica as principais propostas deste tipo de programa em discussão no país, detalhando suas características, seu custo e fontes de financiamento identificadas por seus proponentes.
Os beneficiários do atual programa de Auxílio Emergencial são microempreendedores e trabalhadores informais desempregados, com renda familiar mensal total de até três salários mínimos ou per capita de até meio salário mínimo, que não recebam benefícios previdenciários ou seguro desemprego e que não tenham auferido rendimentos tributáveis superiores a R$ 28,5 mil em 2018. Aos titulares do programa Bolsa Família foi facultado o recebimento do auxílio emergencial em substituição ao valor do seu benefício se isso se mostrar mais vantajoso.
Segundo o Ministério da Cidadania1, até o mês de junho um total de 64,1 milhões de pessoas receberam o Auxílio Emergencial, totalizando um montante de R$ 87,8 bilhões, o que não inclui o pagamento da terceira e última parcela prevista, cujo depósito iniciou-se na semana do dia 23 de junho. Deste modo, foram liberados cerca de 60% dos gastos previstos com o programa pelo governo federal (R$ 152 bilhões).
Embora o programa já esteja entrando em sua terceira e última fase, problemas de desenho e sobretudo de implementação continuam presentes, ensejando críticas frequentes a seus operadores. No início de junho, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou riscos orçamentários na formatação da medida e riscos de exclusão ou inclusão de pessoas indevidas.
O TCU estimou erro de inclusão de 6 milhões de beneficiários ou 10% do total de casos contemplados na primeira fase do programa2. Entre outros fatores, isso deve-se ao uso insuficiente de dados do Imposto de Renda nas análises realizadas pela Dataprev, para verificar o limite de renda de R$ 28.5 mil em 20183. Trabalho realizado pela Rede Brasileira da Renda Básica (RBRB)4, que reúne 162 organizações e movimentos e apresenta grande atividade junto ao Congresso, também identifica o recebimento indevido do auxílio por 189.695 militares, totalizado o valor de R$ 113,816 milhões.
Em contrapartida, do orçamento total previsto para a primeira parcela, de R$ 41,3 bilhões, foram executados, de acordo com o TCU, apenas 86,6% no mês de abril, sinalizando a exclusão indevida de possíveis beneficiários de direito do programa. No número de cadastros inconclusivos era da ordem de 13,7 milhões, o que representava cerca de 15% dos pedidos recebidos e equivalia a 27% do número de cadastros aprovados na primeira parcela.
A RBRB contabiliza 10 milhões de pessoas cujos dossiês, em junho, estavam há mais de 50 dias em análise, sem resposta dos órgãos gestores do programa. Além das filas em agências da Caixa Econômica Federal, como mostraram os meios de imprensa, foram realizadas mais de 110 milhões de ligações ao canal telefônico criado pelo Ministério da Cidadania. Estes dados, segundo a RBRB, são sintomas de problemas na execução do programa.
A despeito das necessidades de ajuste, supervisão e controle maior do programa, dada a gravidade da crise econômica da Covid-19 e sua extensão para o início da segunda metade de 2020, a proximidade da conclusão da última fase do programa de Auxílio Emergencial promoveu ao longo de junho a discussão sobre sua renovação por mais alguns meses. Muitas propostas encaminhadas junto ao Congresso defendem sua prorrogação até dezembro de 2020, isto é, enquanto durar o “estado de calamidade pública”.
Entretanto, o governo federal, embora tenha sinalizado uma prorrogação em valor mensal inferior, em função do elevado custo fiscal do programa, acabou confirmando em 30/06 a concessão por mais dois meses do auxílio dos atuais R$ 6005. É possível, segundo declaração da equipe econômica, que tal valor mensal não seja pago em uma única parcela como vinha ocorrendo, mas dividido em mais de um depósito em um mesmo mês.
Na esteira dessa discussão sobre o prolongamento do programa de Auxílio Emergencial, um debate distinto, mas correlato, também vem ganhando projeção. Trata-se de transformar o Auxílio Emergencial em um programa permanente de Renda Básica, tal como vem ocorrendo em outros países do mundo, como, por exemplo, na Espanha com o Ingreso Mínimo Vital. Duas grandes razões justificam as proposições: em primeiro lugar, a evidência que a crise de Covid-19 deu à vulnerabilidade que grande parcela da sociedade brasileira possui em relação ao ciclo econômico; em segundo lugar, as transformações tecnológicas em direção à automação e digitalização, que podem ter impactos profundos sobre a geração de emprego.
Embora possa se assemelhar quanto ao objetivo e à forma, o programa de Auxílio Emergencial e um programa de Renda Básica possuem implicações distintas quanto ao seu desenho e às suas fontes de financiamento. Se existem dúvidas quanto à capacidade fiscal de estender o auxílio emergencial até o final de 2020, mesmo com redução do valor do benefício, elas são ainda maiores no caso de um programa permanente, abrindo a discussão sobre outros desenhos que possam torná-lo fiscalmente sustentável.
No caso da ampliação do auxílio emergencial, podem ser obtidas fontes provisórias de financiamento, como a criação ou elevação de impostos por determinado período ou por meio de aumento do endividamento público, havendo custos e benefícios implícitos para cada uma destas soluções. No caso de uma renda básica permanente, as fontes de financiamento devem ser definitivas e compatíveis com o custo do programa ao longo do tempo.
Nas próximas seções, este documento apresentará propostas, tanto para prolongar o auxílio emergencial como para implementar um programa de renda básica permanente, que estão em debate na imprensa brasileira e no Congresso, buscando enfatizar seu desenho, custo e fontes de financiamento…”
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