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A tributação pós pandemia (Mídia)

A tributação pós pandemia por Claudio Conceição postado por Conjuntura Econômica, do Rio de Janeiro (2/2021).

“A pandemia trazida pelo coronavirus colocou o mundo de cabeça para baixo. Um enorme desafio foi colocado para os governos para enfrentar a pandemia, liberar vultosos recursos para manter a economia minimamente funcionando, dar assistências aos mais vulneráveis. Países tradicionalmente conservadores na questão dos gastos públicos, como a Alemanha, por exemplo, abriram os cofres públicos, liberando milhões de euros. Na outra ponta, países mais pobres e em desenvolvimento, com elevadas dívidas, tiveram que implementar programas de assistência, mesmo com o risco de piorar significativamente o já debilitado quadro fiscal, como foi o caso do Brasil.

José Roberto Afonso, articulista da revista Conjuntura Econômica, pesquisador da Universidade de Lisboa, em artigo na edição de fevereiro ressalta que a pandemia carregou em seu bojo um “desafio terrível foi posto às políticas sociais e sua interface com a fiscal e mesmo a tributação. Como reorganizar e financiar, tanto os serviços e as ações de caráter público, bem como os benefícios vinculados a contribuições de empregadores, de empregados e do Estado? O atual estado do bem-estar social, que se consolidou e se espalhou pelo mundo quando da segunda guerra mundial, se apoiava em um pilar: emprego-salário. Antes da chegada da pandemia, já estava delineado um novo fenômeno: cada vez mais usar o trabalho sem carteira assinada. Começou como mera terceirização de mão-de-obra não essencial a um negócio e se espalhou rapidamente, chegando aos salários mais elevados, até como forma de resposta tributária dos empregadores ao peso elevado de impostos e encargos sociais sobre os salários. Por ser dos mais onerados do mundo, o fenômeno brasileiro é mais antigo e avançado do que em outros países. Mas foi ignorado na recente e estrutural reforma previdenciária – tendo aparecido marginalmente no novo debate da reforma tributária”.

Para Afonso, os pilares dos atuais sistemas tributários estão abalados e, no caso da tributação da folha, constitui o risco mais grave para o Brasil, seja porque aplica alíquotas muito mais altas, seja porque é dos que mais dependem da contribuição previdenciária. Já é certo que com o tempo a automação destruirá, cada vez, mais postos de trabalho, não havendo sinais quantos e quais novos postos que criará – e destruirá. Hoje, na área tecnológica, de trabalhos mais qualificados, já há um grande contingente de pessoas trabalhando fora da CLT, sem um único empregador. Além da digitalização acelerada e tornada irreversível pela pandemia, ela trouxe novos desafios com o tele trabalho que, por sua própria natureza, quebra de vez o vínculo com local e horários fixos, mesmo para os empregados. Mais que isso, surge a figura do trabalhador transnacional, muitos que viram nômades digitais, nas quais aí se quebra de vez o vínculo agora também com a residência, de modo que ele poderá morar em outro país, ser contratado em segundo outro país e prestar serviços a quem está em um terceiro outro país. É certo que o trabalhador irá demandar gastos públicos de segurança, saúde e talvez ensino, dentre outros, no país em que estiver residindo, ainda que temporariamente. É incerto quais e quantos impostos esse trabalhador recolherá e para qual ou quais dos quatros países da hipótese citada.

Não só para saúde pública, explica, e para relações internacionais, nunca o multilateralismo em matéria de administração e também de política tributária se tornou tão necessário – ou até indispensável. Já tem sido levantada a hipótese de imposto de renda sobre corporações com algum padrão mundial – inclusive no FMI e, mais recente, pelas novas autoridades econômicas norte-americanas. Debates e decisões da OCDE e da União Europeia se tornarão mais necessárias e importantes nesse novo normal econômico do antes da pandemia.

Depois que o mundo virou de cabeça para baixo, o que estava no cerne de um dos pecados capitais do pior sistema tributário do mundo, o brasileiro, de ter um sistema paralelo de contribuições que não se incidem apenas sobre salários, agora isso pode se transformar em uma tremenda vantagem. Nenhum outro país no mundo não apenas cravou a seguridade social na Constituição, como diversificou seu financiamento, e contempla diferentes bases de cálculo – também sobre faturamento e sobre lucro, e suas variações…”

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