Investimento, modernização e digitalização no Brasil publicado por IEDI (7/2020).
A pandemia de Covid-19 afetou a economia dos países por meio de diversos canais, sendo um deles o recrudescimento da incerteza, com origem tanto no comportamento epidemiológico do novo coronavírus como no caráter inédito da crise. Como consequência, os investimentos devem registrar um importante retrocesso em 2020, dada sua sensibilidade ao estado de confiança dos agentes e às suas expectativas em relação ao futuro.
O Brasil não deve ser exceção neste contexto, embora os dados do PIB do primeiro trimestre de 2020, por refletirem apenas parcialmente o impacto pela Covid-19, tenham registrado continuidade da trajetória positiva do investimento verificada nos últimos dois anos.
A Carta IEDI de hoje, baseada no estudo realizado, a pedido do Instituto, pelo economista e professor do Ibmec/RJ Thiago Moreira analisa em detalhe o perfil de recuperação do investimento no Brasil entre 2017 e 2019. A versão completa do trabalho está disponível no site do IEDI, mas sintetizamos a seguir seus principais resultados.
Qual era o quadro do investimento no Brasil antes da pandemia? A resposta para esta questão não deixa margem para muito otimismo: encontrava-se em suas piores marcas e vinha dando sinais de desaceleração.
Em 2019, a taxa de investimento era de apenas 15,4% do PIB, isto é, não muito distante de seu piso histórico atingido em 2017 e abaixo do patamar anterior à crise de 2015/16. O ritmo de crescimento da formação bruta de capital fixo havia recuado de +5,4% no 2º trim/19 para -0,4% no 4º trim/19 na comparação com o ano anterior e, no mesmo período, de +2,5% para -2,7% na série com ajuste sazonal. A volta ao terreno positivo, ensaiado no 1º trim/20, dificilmente resistirá à crise do coronavírus.
Este desempenho faz parte de uma das mais fracas e incompletas recuperações do investimento, segundo Moreira. O autor argumenta que dos três últimos episódios de crise do investimento, em 1981-84, 1989-92 e 2014-17, a intensidade das quedas e a duração da fase descendente foram semelhantes. A diferença maior está no ritmo de reação. Nos dois primeiros anos de recuperação, a expansão recente foi cerca de 3 a 5 vezes mais lenta que nos episódios anteriores.
Moreira aponta alguns aspectos que particularizam a recuperação do investimento antes da pandemia e que explicam sua fraqueza. O primeiro deles é sua incompletude, já que o investimento público como porcentagem do PIB está muito abaixo do que estava na saída das recessões anteriores.
O segundo aspecto é a permanência de elevada ociosidade no parque produtivo. No caso da indústria o indicador de utilização da capacidade instalada média em 2017-2019 ficou mais de 6% abaixo de sua média histórica antes da crise de 2015/2016. E o terceiro aspecto é o setor de construção, cujo peso nos investimentos era de 50% em 2017, que continua sem recuperação, a despeito de sinais positivos no segmento residencial, sobretudo em 2019.
De todo modo, mesmo que vagarosamente, é inegável que o investimento vinha se recompondo nos últimos anos, o que teve pouco a ver com ampliação de capacidade produtiva, dados os níveis de ociosidade. Qual tipo investimento, então, estaria assegurando este dinamismo? O estudo de Moreira reúne evidências de que projetos de modernização e atualização tecnológica contribuíram para a expansão recente do investimento.
O Relatório de Anúncios de Investimentos (RENAI), divulgado pelo Ministério da Economia, indica que 34% dos projetos anunciados em 2016-19 estavam voltados para modernização, parcela 10 p.p. acima daquela de 2011-15 e quase o triplo daquela de 2004-10.
Além da busca por produtividade e competitividade, os investimentos em modernização também estão associados ao avanço da digitalização no mundo, que as empresas sabem precisar acompanhar, a despeito da conjuntura de baixo crescimento econômico do Brasil. No caso da indústria, sondagens feitas pela CNI em 2017 e pela Fiesp em 2019 já apontavam que entre 1/5 e ¼ das empresas pesquisadas intentavam incorporar tecnologias 4.0 nos anos seguintes.
Com a última atualização metodológica das Contas Nacionais (referência 2010), Moreira consegue identificar o desempenho da parcela do investimento vinculado a novas tecnologias e digitalização, buscando estimá-lo para os anos mais recentes. A formação bruta de capital fixo na nova metodologia passou a incorporar produtos de propriedade intelectual, que incluem investimentos em P&D e serviços digitais ou de tecnologia da informação (softwares e banco de dados).
Em 2017, os investimentos em serviços digitais e em desenvolvimento de sistemas foram 124,1% maiores do que em 2010 e as inversões em P&D 26,1% maiores. Estimativas de Moreira apontam para um avanço adicional de 21% dos serviços digitais entre 2017 e 2019, elevando a sua participação nos investimentos totais de 4,3% em 2010 para 7,8% em 2019.
Um movimento de modernização tendo na digitalização um eixo importante também pode ser aferido a partir do desempenho dos investimentos em bens de capital, isto é, a grosso modo de máquinas e equipamentos, a despeito de sua queda de participação no investimento total na última década (39% em 2010 para 35,6% em 2017).
Moreira argumenta que inversões em equipamentos para informação, comunicação e telecomunicações (ICT) e, em alguma medida, em máquinas e equipamentos elétricos podem ser associadas a um processo de modernização digital por constituírem a infraestrutura física (hardware) vinculada aos serviços digitais.
Entre 2010 e 2017, foram os equipamentos eletrônicos e elétricos que ganharam espaço na demanda pelos bens de capital, passando de 19,8% para 26% deste tipo de investimento. Moreira estima uma evolução positiva para estes equipamentos no biênio 2018 e 2019, mas fundamentalmente calcada em importações: +8,4% para os equipamentos de ICT e +15,1% para os elétricos. Já sua produção doméstica registrou resultados de -0,8% e -3,5%, respectivamente neste período.
Esta relativa desconexão entre as inversões em serviços digitais e a produção nacional do hardware necessário reduz a potencialidade de benefícios deste processo de modernização digital. Isso porque pode dar uma contribuição importante para a melhoria das condições de oferta de nossa economia, ajudando no aumento de produtividade e competitividade, mas, ao dinamizar de modo limitado a produção nacional, não acelera o crescimento da economia no curto prazo tanto como poderia.
Em países líderes da transformação digital, tais como EUA, Japão, Alemanha e China, denota-se, por sua vez, a busca de uma relação simbiótica entre suas indústrias de bens de capital e os serviços de tecnologia da informação, as quais se expandiram conjuntamente nos últimos anos, ao menos até o choque da pandemia de Covid-19.
Introdução
Embora em termos relativos não seja o componente do PIB mais relevante, a chamada Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, popularmente conhecida como investimento) é provavelmente o item da demanda agregada que recebe a maior atenção na análise macroeconômica. Isto se deve a características intrínsecas e exclusivas deste tipo de gasto.
No campo teórico, alguns autores destacaram o que se convencionou denominar de “efeito dual” do investimento. Grosso modo, este efeito decorre do fato de o investimento cumprir um papel de estímulo à demanda no curto prazo e, numa perspectiva dinâmica de mais longo prazo, viabilizar um incremento no estoque de capital e, consequentemente, da capacidade produtiva de uma economia.
Portanto, nesta lógica, o investimento seria determinante para a sustentabilidade de uma trajetória expansiva do PIB, evitando a ocorrência de limites físicos a uma expansão contínua da produção.
Outra especificidade do investimento, e que atrai a atenção tanto de teóricos como de analistas de mercado, diz respeito à elevada instabilidade potencial à qual este tipo de gasto está sujeito.
Isso porque o processo decisório em torno do investimento, que geralmente envolve o dispêndio de elevados valores monetários, está necessariamente associado a alguma visão prospectiva, considerando tanto o período de construção/maturação quanto de vida útil do ativo de capital. Mudanças nas expectativas futuras dos empresários afetam significativamente a disposição dos mesmos em investir.
Dessa forma, nos momentos de aumento da incerteza e/ou da percepção de risco dos agentes econômicos, a exemplo do caso recente da pandemia de Covid-19, o componente da demanda a sofrer os primeiros e mais relevantes impactos contracionistas tende a ser o investimento. Por outro lado, em momentos de maior otimismo, tende a apresentar as maiores taxas de crescimento.
No caso brasileiro, antes do impacto da crise do coronavírus em 2020, os fluxos de investimento registraram uma de suas piores crises da história econômica do país em 2014-2017. Neste período, o investimento registrou queda acumulada de 26,3%, sendo de longe o item de demanda final com a maior retração, conforme indicado pelas séries das Contas Nacionais Trimestrais do IBGE.
Entre os demais componentes da demanda agregada, a segunda maior queda em 2014-2017 ocorreu no consumo das famílias, cuja retração foi bem menos aguda, de 5,1%. Já a contração acumulada do PIB agregado chegou a 5,5% neste mesmo período.
A retomada no crescimento do investimento observada em 2018/2019 (de 6,2% em termos reais acumulados) deve então ser ponderada pela baixa base de comparação, uma vez que a queda no período anterior foi de magnitude muito acentuada.
No caso do consumo das famílias, embora a expansão acumulada nos últimos dois anos tenha sido inferior (3,9%), a disparidade entre as taxas de contração e retomada é de magnitude muito menor quando comparada à dos investimentos, o que nos permite concluir que o consumo vem apresentando uma trajetória de recuperação mais consistente do que a apresentada pelo investimento.
Dito isto, o objetivo deste trabalho é aprofundar a análise da trajetória recente do investimento na economia brasileira, dando maior enfoque às transformações ocorridas nos últimos anos, observadas tanto em termos agregados quanto setoriais.
Na próxima seção, será discutida as razões principais para a lenta recuperação do investimento observada no biênio 2018/19, destacando diferenças importantes em relação aos processos de retomada nos choques anteriores. Na seção seguinte, o objetivo é abordar as mudanças na composição setorial do investimento no Brasil, chamando atenção tanto para alterações oriundas de mudanças metodológicas quanto de dinâmicas distintas dos principais componentes do investimento.
Na terceira seção, será feita uma análise mais específica sobre a dinâmica dos bens de capital desde 2010, ressaltando a participação dos equipamentos importados e o papel da indústria brasileira. Por fim, na quinta seção será apresentada uma breve comparação internacional da situação brasileira, destacando alguns investimentos específicos nos EUA e União Europeia, bem como a evolução da taxa de investimento de uma amostra de países…”
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