Importação de médicos tem contradições constitucionais por Élida Graziane Pinto, Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira e Gabriel Guy Léger publicado por Conjur (6/2013).
“Como todo tratamento concebido sem maiores reflexões sobre o adequado diagnóstico do problema a ser enfrentado, o governo federal pretende, na próxima segunda-feira (8/07), anunciar formalmente o Programa Mais Médicos, a pretexto de resposta (“pacto”) às “vozes da rua” que têm clamado por melhor e maior atendimento à população no âmbito da saúde pública brasileira.
Ao invés de, com humildade e compreensão sistêmica, levantar as reais falhas que militam contra a qualidade do serviço público de saúde no país, o remédio aviado às pressas no último 24/6 pela presidente Dilma para o mal-estar do setor padece, ele próprio, de severas contraindicações jurídico-constitucionais. Se restarem desconhecidas tais contraindicações, novas “moléstias” surgirão no cotidiano do Sistema Único de Saúde (SUS) para judicializá-lo ainda mais.
Desde a Constituição de 1988, a judicialização da saúde no Brasil tem alcançado patamares elevados e até mesmo fiscalmente insustentáveis no médio prazo porque, a bem da verdade, não houve, nesses 25 anos, garantia de financiamento estável e compromisso com a progressividade da política pública que dá consecução a esse direito fundamental.
Entre o belo comando do artigo 196 da nossa Constituição e a dura realidade dos hospitais públicos e conveniados à rede SUS vai uma distância que, por tão gritante, ganhou voz nas ruas e, enfim, começou a incomodar quem pode agir em prol de alguma melhoria.
O problema é que, uma vez provocado pelas manifestações, o governo federal apresenta à sociedade uma resposta míope e enviesada, qual seja, a de expandir — dentre outras possibilidades, sob o questionável formato da “importação” — a oferta de médicos do SUS. Tal medida, embora enfrente uma real demanda da população é, como veremos a seguir, juridicamente inepta para cumprir o objetivo a que se propôs, além de tangenciar o fato de que a participação da União no volume de recursos públicos empregados no custeio das ações e serviços públicos de saúde regrediu mais de 15% (quinze por cento)[1] desde a edição da Emenda Constitucional 29/2000.
A real origem do problema da saúde pública em nosso país tem assento em uma duríssima guerra fiscal de despesa, onde os municípios foram, paulatinamente, obrigados — seja fática, seja judicialmente — a assumir o vazio de custeio deixado pela União e por toda sorte de manobras contábeis realizadas pelos estados (sobretudo antes da Lei Complementar 141/2012)…”