Desenvolvimento, trabalho e seguro social: volta a Keynes para enfrentar novos desafios por José Roberto R. Afonso publicado na Revista BNDES (12/2018).
“A rede de proteção social aos trabalhadores, vigente desde meados do século passado, girava em torno do emprego. Os salários são o referencial, seja para cobrança de contribuições sociais, seja para pagamento de benefícios, como seguro-desemprego e aposentadoria. Essa construção será abalada pela revolução econômica e social, que passará pela automação do processo de trabalho e a expansão do trabalho independente. Trabalho não mais será sinônimo apenas de emprego e será preciso refazer o pacto social brasileiro. Um dos eixos dessa mudança estrutural no Brasil passará pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e pelo BNDES, de modo que o amparo ao trabalhador deverá assumir outras formas que não apenas a carteira assinada, além de revisitar o esquema de financiamento aos investimentos. Para fomentar esse debate, este artigo resgata as lições de John Maynard Keynes para iluminar as reformas necessárias para enfrentar o futuro.
O economista britânico John Maynard Keynes discursou a seu Parlamento, em 24 de fevereiro de 1943, por ocasião dos debates sobre a reforma do seguro social, e alertou que o futuro se constrói – e não se espera que aconteça.
Em meio à revolução digital, que já começou a provocar mudanças radicais e estruturais no mercado de trabalho e, por conseguinte, no financiamento e na estruturação da seguridade social, voltar às lições de Keynes pode ser um bom caminho para jogar luz sobre os novos desafios que ora precisam ser equacionados.
O Brasil de hoje parece ignorar a história da construção do Estado do Bem-Estar Social quando faz de conta que não mudará radicalmente o emprego para o futuro. Até mesmo economistas ignoram como Keynes foi decisivo para definir as bases das classificações das contas nacionais e para desenhar as bases da previdência e dos demais componentes da proteção aos trabalhadores. Resgatar esses fatos e atos pode ajudar a acordar para a necessidade de que mais do que nunca eles precisam ser revisitados e reinventados. Para tanto, o Brasil é dos poucos países do mundo a contar com instrumentos poderosos para promoção do desenvolvimento e do emprego e para assistência ao trabalho.
Dessa forma, o objetivo deste artigo é resgatar as lições de Keynes para iluminar as reformas necessárias para enfrentar o futuro. O estudo retoma os debates dos anos 1940, comenta brevemente a estrutura de financiamento do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do BNDES e especula sobre questões contemporâneas, sobretudo envolvendo o crescente descompasso entre emprego e trabalho.
Em apertada síntese, pretende-se alertar que a rede de proteção social adotada em meados do século passado girava em torno do emprego (formalizado no Brasil pela contratação com carteira de trabalho assinada). Empregadores e empregados contribuem sobre o valor de seus salários, que também passa a balizar os benefícios pagos no futuro (aposentadoria) ou antes, em caso de alguma intempérie (uma delas é o seguro-desemprego). Esse paradigma está sendo quebrado pela revolução em curso, na indústria, na economia e na sociedade, que compreende, entre outros fatores, uma intensa automação do processo de trabalho (substituindo trabalhadores por robôs), a economia compartilhada e a do “bico” (com trabalhadores exercendo suas funções sem vínculo contratual, físico e temporal). Cada vez mais, trabalho não representará, necessariamente, emprego. Os países precisarão construir um novo pacto ou contrato, social e também econômico, para lidar com essa realidade. Um dos eixos dessa mudança estrutural no Brasil deverá passar pelo FAT e pelo BNDES, de modo que o amparo ao trabalhador deverá assumir outras formas que não apenas a da carteira assinada. O financiamento de investimentos deverá pensar também em trabalho e não mais apenas em emprego.
Esse debate prospectivo compreende desafios ou questões, novas e complexas, talvez muitas ainda nem totalmente postas ao debate. Não se tem a pretensão de equacionar um novo sistema de seguridade social vis-à-vis às mudanças socioeconômicas vindouras, neste breve artigo, mas ao menos provocar e instigar os debates. Para tanto, serão buscadas no passado as raízes do presente, que será drástica e rapidamente modificado para o futuro próximo…”
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